Fiquem com a entrevista concedida ao programa "Onde Uruguaiana se vê", da TV Uruguaiana, canal 02.
Como é longe Uruguaiana
segunda-feira, 26 de novembro de 2012
Está chegando o dia...
Amanhã às 21h na Feira do Livro de Uruguaiana, mais precisamente no estande da Secretaria de Cultura, será o lançamento do meu novo livro!
Fiquem com a entrevista concedida ao programa "Onde Uruguaiana se vê", da TV Uruguaiana, canal 02.
Fiquem com a entrevista concedida ao programa "Onde Uruguaiana se vê", da TV Uruguaiana, canal 02.
sexta-feira, 16 de novembro de 2012
quarta-feira, 14 de novembro de 2012
Lançamento do novo livro
O lançamento do meu novo livro "Do Alhambra ao Cimentinho", a História do Grêmio Esportivo Juvenil vista 78 anos depois de sua fundação, está programado para acontecer na Feira do Livro de Uruguaiana, no dia 27 de novembro de 2012, às19 horas, no stand da Secretaria de Cultura na Praça Barão do Rio Branco.
O livro terá um custo nada assustador mas o abraço ao autor não custará nada... Espero-os, o trabalho está bastante aceitável (modestamente) por que já viu e mexerá com muitas emoções... "E o passado se fez presente..."
domingo, 4 de novembro de 2012
Contrabaixo
Minha avó Cely Lisboa sempre foi
considerada uma exímia pianista (e não estou dizendo para me exibir...), isso a Uruguaiana e parte
do Rio Grande do Sul de ontem e anteontem sempre souberam. Pois um dia ela me
contou (vivi muitos anos de minha vida em sua companhia) sobre uma aventura
ocorrida com ela em prol de sua arte, e da busca de alguns “cobres” para a
família.
Não raras vezes, ela abria mão de
sua arte solitária ao piano e formava um conjunto musical, todo ele acústico
logicamente, jamais se pensaria em teclados, sintetizadores, guitarras
elétricas, mesas de som, jogos de luzes,etc. Certa vez, bateu à sua casa um
telegrama da direção do Clube Comercial de São Gabriel contratando-a para que
animasse um baile naquela entidade social da elite da “Terra dos Marechais”.
Quanta honra! Logo em sua terra natal, que a viu ser denominada muitos anos
antes “a menina prodígio” do teclado!
Arregimentados os demais
componentes, dentre eles dois que conheci bastante: Vicente Rodrigues, negrão
baterista de mão cheia, nas horas vagas de seu trabalho junto ao Banco do Rio
Grande do Sul, pintoso num linho branco, cabelos englostorados, educado, com uma
gagueira quase imperceptível e muito amigo de minha avó a qual ele respeitava
graças à marcação que ela lhe fazia no trato com o sexo oposto quando das
noitadas artísticas... O outro, também do meu conhecimento, o Seu Calvete como
ela o chamava, mas nas rodas boêmias ele era mais conhecido por “Morocho”; com
a postura de um burocrata inglês a empunhar, teso, o longo braço do
contrabaixo, o maior instrumento de uma orquestra, todo ele feito em madeira de excelente procedência, volumoso, que
emitia os sons graves partidos do
dedilhar das cordas de couro, fazendo a
marcação do ritmo que os dedos mágicos da Dona Cely colocavam as músicas aos ouvidos
dos assistentes e ensejavam o deslizar dos pés dos enlevados dos bailarinos.
Acertados os pagamentos dos
companheiros, poucos ensaios, apenas para dar uma repassada no repertório (a
equipe se conhecia bem), e lá se iam os músicos, mais um ou dois componentes
para reforçar o trio, rumo a São Gabriel pelo trem das 5:25 horas da madrugada a
fim de saldarem o compromisso assumido. Como de hábito o Seu Argimom, dono do
auto de praça FORD modelo A, já havia sido contratado para pegar em casa os
músicos e levá-los à estação da Viação Férrea do Rio Grande do Sul de saudosa
memória... No banco de trás, na segunda viagem, Seu Calvete, o Morocho, com o
instrumento de trabalho sobre o colo, encapado, com o Vicente a seu lado, tendo
de sobra, para fora da janela do carro de capota de lona, o braço do
contrabaixo a sobressair no espaço daquela madrugada escura de inverno. Eis
que, numa curva meio aberta da esquina da descida da Duque (que tinha duas mãos)
com a Presidente Vargas a caminho da Estação Férrea, Seu Argimom não atinou a existência de um poste de iluminação à beira
da calçada e lá se foi com um impacto seco, o braço do importante e
imprescindível instrumento sonoro. Ao exame preliminar, constatada fratura
exposta, “sem derramamento de sangue” mas quase jorraram lágrimas do proprietário, o Morocho que
emitiu um ai desesperado... Comoção
total por parte da Dona Cely, sentada ao lado do motorista. E agora?
De que adiantaria àquela hora tentar uma solução? Uruguaiana dormia e
alguém que pudesse emprestar um contrabaixo, mesmo que emergencialmente era
difícil de conseguir. Não eram muitos os músicos que tinham um instrumento
daquela estirpe em uma Uruguaiana ainda nos braços do Morfeu... Dona Cely
remoendo o infortúnio não conseguiria conciliar um resto de sono que a
madrugada lhe roubara, e os demais afora um bate papo à meia voz, somente
olhavam passar pelas janelas o pampa uruguaianense, que se emendava com o
alegretense até avistarem-se as areias
brancas do rio Santa Maria para a baldeação em Cacequi. Ali, depois do almoço apressado na estação, a acomodação em
outro comboio que partira de Santa Maria rumo a Bagé e Livramento; passando por
São Gabriel à meia tarde, local de descida daquela troupe toda.
São Gabriel os esperava sonolenta naquele sábado de sol. Após a recepção na gare, uma breve passada para se hospedarem no hotel
e se foram ao Clube Comercial, ali pertinho, para acomodar os instrumentos e
fazer uma ambientação no som que transmitiriam aos bailantes. Dona Cely, pessoa conhecida na cidade, recorreu então a
seu amigo de longas datas e festas; Rosário Ruchiga, também como ela, afeito à
música e maestro de um conjunto de tradição em São Gabriel e na região. Nada
poderia dar errado, ali estava a solução; o empréstimo do instrumento em que
seu Calvete, o Morocho, era astro.
- Olha Cely, estou parado há algum tempo mas se
for do agrado do teu músico tenho lá em casa um contrabaixo para emprestar.
Deve estar bem desafinado, nada que um
veterano na arte não possa resolver.
Solução encontrada, um paninho úmido na madeira escura meio que judiada,
um aperto nas grossas cordas de couro afeitas a tantas incursões noturnas, um
acorde ao piano, só para “amadrinhar” o Morocho e o sucesso da festa estaria
garantida; pronto...
Banho tomado, um perfumezito barato naqueles corpos acostumados às noites
mal dormidas por força da profissão e lá estavam à porta do Clube Comercial os
componentes do conjunto aguardando a estrela, a maestrina do bando, Dona Cely
que chegaria pouco depois desde a casa de seu cunhado Dr. José Lisboa Neto
(Juca), conhecido e afamado médico da cidade onde estivera hospedada. Ela era
exigente com seus músicos, revisava com um olhar o cabelo, o nó da gravata, o
lenço na lapela, etc. Naqueles tempos jamais se pensaria em um músico subir ao
palco de tênis e calça jeans, por exemplo.
A sociedade gabrielense correra
em peso para o baile comemorativo ao aniversário da cidade, alguns só para prestigiar a arte de sua filha que havia
muito tempo por força do trabalho do esposo fizera de Uruguaiana sua terra
natal, adotiva. Valsas, mambos, Fox, boleros, tangos iam sendo desfiados
daqueles dedos ágeis ao piano, os acompanhantes conheciam pelo olhar sua
“chefa”e entravam redondinhos nas mudanças de ritmo que ela propunha a cada
“página musical”. O Vicente se esbaldava em regalitos com as baquetas, nos ritmos lentos com habilidade esfregava as
vassourinhas de aço, que ronronavam acariciando o couro das caixas ou os
grandes pratos de metal, acessórios de sua bateria de tamanho avantajado cheia
de pedais e penduricalhos de onde ele tirava sons compatíveis com o ritmo...
Pouco depois do intervalo de praxe, noite alta, mesas ruidosas, garrafas
já pela “meia costela” e pares rodopiando no salão, eis que Morocho passou a
sentir em seu instrumento um contraponto ao que seus dedos comandavam...Comodamente,
pousou o cotovelo no “ombro” do contrabaixo, deixando o ritmo da música ao
comando dos pés e mãos do Vicente para atentamente averiguar a origem daquele
barulho que parecia uma verdadeira corrida de cancha reta... Para sua surpresa,
daquelas fendas em forma de S invertidos, situadas lá no meio da “barriga” do
instrumento emergiram alguns focinhos, parecendo ser... parecendo não, eram
de taludos camundongos que faziam lá no fundo a sua morada. Dona Cely que desse
tipo de bicho, como toda a mulher, tinha nojo, asco, num relance se deparou com
aquele quadro dantesco e rapidamente recolheu os pés o mais alto que pode por
sobre os pedais do piano, sem deixar de manter ativas as teclas pretas e
brancas em toda a extensão do teclado. Mesmo assim, os filhotes caídos ao piso ainda lambiscaram a meia de
nylon que encobria suas pernas e ela mal
conteve a vontade de largar o seu afazer e sair gritando palco à fora.... Que
quadro! Morocho se desdobrava em tentar pisotear os nada minúsculos
animaizinhos e quanto mais tentava, mais deles saiam de dentro do contrabaixo
emprestado pelo Ruchiga, amigo de Dona Cely.
Aí a razão do espanto, o conjunto do gabrielense estava desativado e o
que restou dele estava amontoado num quartinho lá num fundo de corredor onde além
da umidade do teto existiam frestas e mais frestas a ornamentar as paredes.
Talvez um casal de ratões de rabo comprido habituées dos pátios adjacentes
tenha feito ali sua morada. Haveria então lugar melhor para uma noite de amor
do que no fundinho contrabaixo do Ruchiga?
domingo, 28 de outubro de 2012
Boas Vindas!
A cumeeira é considerada uma fase importante de uma
construção, mesmo que o que se pretenda fazer doravante ainda requeira muitos e
muitos acréscimos, divisões, acabamento, enfim. Agora, não se chega à cumeeira
sem que anteriormente tenhamos feito as bases. Por esse motivo considero esse
blog a cobertura de tudo aquilo que tenho procurado fazer nas escritas. E, por
justiça devo-o ao incentivo de pessoas como meu talentoso amigo uruguaianense
exilado hoje em Foz do Iguaçu, Jair Portela e essa arte tão linda na tela e
todas as implicações técnicas à minha filha Leda Pibernat Pereira da Silva,
outra exilada, fazendo correr sua vida em Tubarão-SC.
Lancei minhas bases,
com todo o cuidado e por que não dizer com temor, já à beira daquilo que muitos
teimam em proclamar como a “melhor idade”, teoria que não me tem como um de
seus defensores... "A Colônia Rizícola que eu vi....e vivi" foi meu primeiro
passo, vacilante, temeroso, onde procurava saldar uma dívida com meus pais e
tantos outros que já se foram e que ajudaram, cada um à sua maneira, a expandir
a cultura do arroz em nosso município hoje o maior produtor do Brasil, sem
favor nenhum.
A Colônia Rizícola que eu vi... e vivi (2001) |
Depois, sempre tem
um depois, felizmente, me aventurei por um caminho um pouco menos palpável,
quase ficcional e publiquei “Como é longe Uruguaiana!” já com alguma
experiência nas letras, e que os que a leram até os dias de hoje me rotularam
como alguém que sabe descrever e daí ser entendido, por gerações das mais
diversas... Eis minha base, eu que durante mais de quarenta e tantos anos tenho
vivido confinado entre quatro paredes por obra de minha profissão, a
Odontologia, mas mesmo assim com os pensamentos livres para, num lazer, num
prazer, num vício saudável tentar expressá-los.
Como é longe Uruguaiana! (2002) |
Claro que nada
surge do nada e aí tive que me reportar a situações que em tempos idos nem
valorizei, como um incentivo do emérito Professor Édison Oliveira, do então
Cursinho Mauá em Porto Alegre, autor de livros e mais livros que achou em mim
(sem que eu presenciasse) alguém com o dom de externar suas emoções numa folha
de papel, ainda que “dono” de uma caligrafia deplorável, segundo me cobravam
minhas professoras do velho, centenário Romaguera Corrêa...
Dizia eu que
minha base estava feita, vencida a timidez de alguém estreante nessa área me
faltava agora a cumeeira para poder seguir incursionando dentro da literatura e
aí me apoiei em opiniões de entendidos no metier como Prof. José Édil de lima Alves,
Prof. Luiz Machado Stabile, Irmão Gabriel José dos meus tempos de Colégio
Sant’Ana, escritora Vera Ione Molina Silva, poeta e escritor Alcy de Vargas
Chueíche com quem procurei aperfeiçoar o que pretendia, que com suas observações, suas críticas, suas
orientações, seus estímulos me impeliram a seguir em frente.
Eis-me então agora
de uma maneira globalizada, exposto à leitura de pessoas como vocês, que um dia se depararam com esse blog onde pretendo ir
depositando tudo aquilo que for produzindo, sem pressa, sempre com a
preocupação de mostrar uma Uruguaiana
positiva, essa terra eu tanto amo e que me verá nela um dia descansar.
Fernando
Pereira da Silva Filho
Uruguaiana – Outubro/2012
Email para contato: fpsilvafilho@yahoo.com.br
domingo, 21 de outubro de 2012
Assim sucedeu no Garupá
“A
notícia da morte de Antão logo se espalhou. O rádio é de fato um veículo de
grande penetração e, além disso, os maus acontecimentos sempre chegam bem antes
que os bons. Assim sempre foi, é e será. Ficou resolvido pelos familiares que o
velório seria na fazenda São Gregório mesmo.
Com
a doença do sogro e seu estado debilitado, o futuro genro castelhano
sutilmente, sem que Marica disso se desse conta, fora providenciando uma faxina
no cemitério particular da família no alto da coxilha. De lá, o novo morador
faria companhia a seus ancestrais e seria mais um a cuidar da vida dos que na
terra ficavam. Em breve seu retrato também iria para cima da lareira...
O
movimento na estrada foi aumentando ao correr da manhã e o féretro sendo
conduzido pelo carro fúnebre cheio de adornos da funerária de Artigas pois a de
Quaraí estava com o seu único em conserto. A seguir Antão, agora estático, em
sua última viagem em direção ao Garupá; Marica, Regina, Anita e Ramirez
silenciosos na Rural da família, por aquela estrada embarrada e cheia de
curvas, tantas e tantas vezes transitada por todos. Cada um deles, com os
pensamentos voando em várias direções.
Marica,
teria, doravante, que se habituar com o sistema pouco ortodoxo do pretendente
genro que a contragosto aturava por amor à filha caçula. Regina preocupada com
o quinhão que lhe tocaria no condomínio que necessariamente seria formado;
Anita, inexperiente nas coisas administrativas comodamente teria sua parcela
sob os cuidados do futuro marido em quem passara a confiar cegamente. Ramirez;
esse sim pensava alto, vislumbrava meter a mão e tentar fazer crescer à sua
maneira, até onde sua ambição alcançasse, aquele estabelecimento tradicional da
campanha, mesmo que para isso usasse meios não tão convencionais de enriquecer.
Daqui
a pouco, até o Smith & Wesson calibre 38, verdadeira relíquia de família
desde os avós do falecido, viria rechear o coldre da guaiaca bem enfeitada
ostentada por aquele que seria o novo administrador da São Gregório, se assim o
espólio concordasse.
O
quinhão que tocaria aos herdeiros, se agüentassem as modificações econômicas da
região, seria bem menor que os herdados dos avós e dos pais, assim ocorreria em
outros casos semelhantes em toda a metade sul do Rio Grande do Sul. Os livros
grossos e pesados dos cartórios de registro de imóveis, revestidos por capas
ásperas e enegrecidas, aos poucos iam comprovando isso.
Já
na porteira, os empregados, chapéu na mão, respeitosos, viram passar o que
restara do patrão que lhes dera durante tantos anos a amizade e a segurança de
um trabalho honesto. Clemência, um membro agregado à família desde os avós
de Antão; lá chegara guriazota, muito
compungida, afagou as meninas que ajudou a criar e, enxugando as lágrimas
sinceras, foi para a cozinha preparar o café para obsequiar aos inúmeros
participantes daquela derradeira homenagem. O caseiro, andava nervosamente de
um lado para outro, astuto que era, já projetando que também teria daí por
diante, prestar contas de seu trabalho trivial a um estranho.
A
chuva vinda do lado sul se prenunciava, era inverno na fronteira, nada de novo
pois. Com ela, apareceria um vento de “habla” estrangeira, daqueles que
enrijecia até a medula dos ossos e encurvava os corpos. A lareira da sala grande, local escolhido
para colocar o esquife e aguardar as homenagens dos amigos, estava já com um
fogo de respeito para aquecer aquele momento que por si só, era frio.
O
grande número de pessoas que veio se despedir do falecido dava bem a idéia de
quanto ele era admirado pelas redondezas. Hoje, na horizontalidade da morte,
naquele minifúndio sem cercas, delimitado apenas por quatro velas, ele parecia
maior; só dera bons exemplos e lutara com todas as forças para não perder o que
ainda lhe restava. Marica, Regina e Anita, as donas daquele corpo inerte e do
que restava da Fazenda São Gregório, recebiam as condolências de amigos das
redondezas e de gente da cidade.
De
tanto em tanto uma delas levantava e alisava a fronte gelada do homem
batalhador. A matriarca, rezava baixinho, balbuciando um Pai Nosso, enxugando
as poucas lágrimas que ainda lhe
restavam. Muitas delas derramadas ao correr dos últimos anos; furtivamente para
não desencorajar seu amado esposo. O tempo, implacável cirurgião plástico, fora
acentuando sulcos, rugas e pés de galinha, no rosto maduro de Marica. O olhar
perdera o brilho, pelas tantas noites insones passadas contemplando o teto e a
queda vertiginosa do padrão de vida daquela família. Ela para tentar reverter
aquilo, só pudera colaborar com trabalho caseiro, bordados, rezas e promessas.
Vestido
com roupas de cidade, seu único terno, não importando se apertado; a camisa
social de tão antiga não dava nem para abotoar no colarinho, e daí? A gravata
em tons vermelhos (lembranças maragatas) complementaria aquela indumentária
toda para a viagem final.
As mãos, ictéricas, cruzadas sobre o tórax; a
não ser pelas unhas, agora arroxeadas, bem aparadas; pouco se diferençavam daquelas dos campeiros, calosas,
demonstrando que muito trabalho tinham executado, para evitar uma derrocada
final daquele patrimônio todo. Teria valido a pena? O tempo e a família seriam
os juízes, mas ele bem que se preparara
para a partida.
Velório no interior era assim mesmo, um
verdadeiro encontro social, ainda que relacionado com um desfecho lúgubre.
Misturando-se
ao cheiro da lenha de mato que queimava na lareira, das flores do campo recém
colhidas postas nos vasos à beira do caixão, das grossas velas de cera
incandescentes e dos palheiros pendurados nos lábios dos bigodudos gaúchos; o
perfume barato de Ramirez se sobressaía aos demais odores.
Para
Anita, acostumada com ele desde a primeira noite em que os lençóis e as fronhas
alvas de seu quarto foram batizadas pelos corpos de ambos na tormenta amorosa,
a fragrância do Lancaster não incomodava, pelo contrário, relembrava a cada
nova oportunidade aquela em que passara de menina a mulher...
As
grandes velas iam se encurtando e a estearina derretida ia correndo em
gotas transparentes e quentes até o
pedestal do grande castiçal pesado, todo ele
feito de metal trabalhado. Elas
durariam o suficiente, até o final da cerimônia, que estava se aproximando.
As exéquias foram conduzidas pelo padre, trazido de carona por
alguém desde a paróquia de São João Batista de Quaraí. Antão fora
sócio-contribuinte dela e uma alma daquelas, em dia com as obrigações com a
tesouraria, não se poderia deixar perder; em especial quando já partindo a
caminho do Senhor... Nos bons tempos até novilhas doara para os grandes
churrascos das festas do padroeiro. Tivera muitos pecados, já perdoados, alguns
deles em troca dos inúmeros favores terrenos... Em eras mais remotas, até uma
cadeira no céu lhe seria conseguida, com o devido aval do Bispo da Diocese,
logicamente...
Os funcionários da funerária, respeitosamente, insinuaram as
despedidas finais junto à família e logo se dispuseram a conduzir o luxuoso e
pesado esquife adquirido em Artigas, à última morada; para o alto da coxilha já
devidamente preparada, aguardando os atos finais. Fechada a tampa maior,
ornamentada por vistosos entalhes em madeira,
com parafusos de cabeças douradas, bem arrochadas, uma derradeira olhada no
visor transparente e lá estava a plácida fisionomia de Antão, dando a ver aos
curiosos e supersticiosos que cumprira com sua parte nesta batalha, o resto
seria do encargo dos que na terra ficavam...
Os grossos pingos de chuva agora haviam se transformado numa
torrente; a tarde ia caindo. Os participantes, cansados de um dia inteiro de
velório e orações, já ansiosos por partir em direção às suas casas, se
interrogavam com olhares se deveriam aguardar a estiagem para finalizar todas
aquelas pompas ou então sutilmente desaparecer pelas tantas portas da casa
grande da fazenda.
O pessoal mais simples estivera boa parte da tarde tomando chimarrão
no galpão, para ajudar a passar as horas. Agora não era a hora do violão e da gaita dialogarem, como fizeram tantas
vezes em outros dias chuvosos iguais ao que hoje viviam. Daqui ou dali, com o
silencio quebrado de vez em quando pelo ronco das cuias, surgia um comentário
airoso sobre o finado e alguns faziam à meia voz uma projeção sobre os destinos
daquela casa sexagenária.
Teria dona Marica pulso firme para
manter as coisas sob seu controle, ou caberia ao “intruso” comandar o andamento
dos negócios? Só o tempo diria, ainda era muito cedo para enfrentar a situação
pois o infausto acontecimento, muito embora sabedores das condições da saúde
delicada do doente, pegou a todos meio desprevenidos.
Aproximara-se a hora da derradeira viagem para Antão. A chuva dera
uma estiada. À beira do caixão, sujeitando as seis alças de metal prateado
trabalhado, os fiéis empregados, barba feita, vestindo as melhores bombachas e
as botas de passeio. Marica os seguia logo atrás, em trajes de luto fechado que
ostentaria no mínimo durante um ano. Pelo menos era o que mandava a tradição. A
lhe fazer companhia, as filhas e, comandando aquela procissão silenciosa até
acomodá-lo no carro fúnebre estacionado no terreno lamacento a uns trinta
metros do portãozinho do jardim; Ramirez.
A cachorrada latia, não
tinham noção daquele momento solene que exigia a todos os seres racionais o
maior silêncio, assustada com tanto movimento. No ventre de Anita, sem que
Ramirez disso tivesse conhecimento, o resultado daquela furtiva noite de amor.
Tomara que fosse o neto que Antão tanto sonhava, que em gerações posteriores
seria o seguidor de seu trabalho, ainda que para isso tivesse que dividir o
sangue daquela tradicional família com um uruguaio. Não chegaria a tempo de ser
seu parceiro das horas do mate!
Segurando a fria alça metálica ,dividindo o peso do caixão e do
conteúdo com outros, o uruguaio era alguém que pensava daí em diante,
multiplicar seu patrimônio, conquistado de uma maneira prazerosa nos lençóis
alvos daquela casa sexagenária.
O trajeto até a coxilha quase ao fundo campo não era longo mas a chuvarada que caía obrigava o
séqüito a contornar alguns valos que lentamente iam se formando; sulcando os
trilhos anteriormente percorridos por carroças e carretas ou pelas patas dos cavalos
de serviço. Veículo a motor por aquelas bandas só transitava mesmo em poucas
ocasiões do ano: aniversário dos mortos lá sepultados (e não eram muitos) ou no
dia de finados, quando até o sólido e alto muro de pedras encaixadas uma a
uma recebiam pintura de cal.
Os falecidos bem que mereciam, vez por
outra, uma casa bem cuidada. Afora essas datas, só entravam e saíam como
visitantes, os cinzentos lagartos, cascudos, com o rabo bem comprido que se
homiziavam tranqüilamente entre as antigas sepulturas.”
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